Sua Confusão, Minha Ilusão*


Sua voz dilacerava ao ar, chegava aos ouvidos sem receio do que poderia trazer por conseqüência daquele ato, o qual deixara sem reação, sem palavras, sem lágrimas. Apenas intocável e paralizada, como quem com um olhar prende os sentidos de quem a repara, a consagra. Consagra porque era assim, algo até digamos comparado como uma idolatria cega. Então, nesse fim de noite, o que importava era nada. O que fazia sentido? Nada. O que restava? Nada. Organizemos as idéias: a noite era fria, mas nem o frio era sentido, o movimento era grande, as ruas mais uma vez como companhia e por alguns momentos, uma outra mente fazia-se necessária, uma alma que divide prazeres, agora também poderia dividir a dor, a tristeza, o desencanto. Mas era um momento de pensamentos velozes, árduos, a fim de buscar e encontrar explicações. A necessidade de uma parceria foi momentânea, de relance, não durando mais que alguns breves minutos.
E voltava mais uma vez aquelas memórias, aquelas promessas, dizeres, encontros, lugares, prazeres, lembranças. E pra onde teria ido? Era tudo muito vazio, sabor amargo, visão turva, mãos trêmulas. Simples, como tudo deveria ser, embora descrente, naquele momento lutando pra enxergar por além daqueles olhos. Outras pessoas eram apenas outras pessoas. Como torna um mundo repleto de um só ser? Como se faz da vida, especificada em uma só vida? São tão inexplicáveis as questões que vem de encontro, que pra respondê-las, creio que uma vida só não bastaria. E é tão fácil reconhecer essa fase, um sorriso já diz tudo.
Retornemos à noite. Caminhava ainda, era ao lar que deveria retornar, olhar para o chão ou para as estrelas, não mudava em nada, era tudo tão igual e sem graça, que nem mesmo a morte oferecia algum medo. Distingüir o certo do errado ali, não era nada fácil. Mas se manter 'alegre' à visão dos outros era pior ainda. O destino é certo para seres incertos do amanhã. O fato é que tudo que havia a volta, parecia parte de uma lista enorme de inimigos, juntos, numa fusão de intenções, crueldades, desejos e outros sentimentos dignos da mente humana. Tão somente me via ali, um ser de profunda agonia, mergulhado em águas desconhecidas, que iam e viam num compasso descompassante, tiravam do equilíbrio permanente até mesmo a mais equilibrada das criaturas.
Dizer, relatar, expor toda a amargura não é o bastante para apagar essa dor, ainda assim está guardada em uma caixa, onde todas são reunidas, revistas e jamais esquecidas.
E como é prazeroso e ao mesmo tempo repleto de mistérios esta dor, encantada de magia e somente de quem a sente. Passam-se os dias e o tempo fez-se mesmo um tempo de caminhar só. Mas esse caminhar só, além de necessário é estimulante.

(*) Referência à música Atmosphere por Joy Division